IA permite desenvolver novos materiais sem a necessidade de realizar experimentos

Quando estava fazendo seu doutorado no Instituto de Tecnologia da Califórnia, Miguel Bessa ficou intrigado por uma peça de satélite que encontrou num canto do Laboratório de Estruturas Espaciais. Essa peça era um compartimento pequeno que podia se estender para formar longas velas solares. Agora professor de ciência de materiais e engenharia na Universidade de Tecnologia de Delft, na Holanda, ele resolveu investir seus esforços de pesquisa no desenvolvimento de um novo material que fosse forte mas altamente compressível. A ideia era que um material do tipo tornaria possível compactar objetos cotidianos, como mesas ou guarda-chuvas, para que “coubessem no bolso”, como ele diz.

A ciência de materiais está o tempo todo tentando criar novos materiais com características inéditas. Atualmente, se reconhece que a nova geração de materiais deve ser adaptativa, multi-propósito e personalizável, e para isso as pesquisas focam nos chamados metamateriais, que exploram novas geometrias para alcançar novas propriedades e funcionalidades. O trabalho de desenvolvimento desses metamateriais é lento e pouco produtivo, dependendo em grande parte da sorte dos pesquisadores em encontrar a combinação correta de ingredientes e processo de fabricação. Dessa forma, muitas regiões do espaço de soluções permanecem desconhecidas. Entretanto, o Dr. Bessa escolheu uma abordagem alternativa para tentar contornar esse gargalo: a inteligência artificial. Ele defende que assim o processo de desenvolvimento é invertido: primeiro os potenciais materiais são desenvolvidos num ambiente virtual baseado em machine learning, para depois serem de fato criados em laboratório. Assim, a experimentação é reduzida ao mínimo necessário.

O projeto partiu de uma abordagem computacional baseada em dados para explorar novos conceitos de metamateriais, que fossem adaptados a diferentes propriedades desejadas, à escolha de materiais, escalas métricas e processos de produção. Assim como qualquer projeto em machine learning, o sucesso do desenvolvimento dependeu da disponibilidade de uma quantidade suficiente de dados sobre o problema em questão, e que os dados fossem de alta qualidade. Em vista disso, o trabalho foi estruturado para integrar quatro módulos: 1) o desenho de experimentos para amostrar as variáveis de entrada, 2) análises preditivas eficientes para gerar o banco de dados de saída, 3) machine learning para estabelecer as relações entre dados de entrada e saída, e 4) a etapa de otimização para determinar os designs otimizados a partir do modelo de machine learning. Ao final do processo, o algoritmo retorna uma “mapa do tesouro” no espaço de soluções, de onde é possível obter as informações para que os materiais possam ser fabricados. No caso desse trabalho, foram construídos dois materiais para aplicação em diferentes escalas, transformando polímeros quebradiços em metamateriais leves, recuperáveis e altamente compressíveis. O design macro-dimensional foi ajustado para permitir alta compressibilidade, enquanto que o design micro-dimensional garante força e resistência.

O Dr. Bessa acredita que sua maior contribuição não é a divulgação dos novos materiais, mas do sucesso da abordagem. Ele está confiante de que a ciência baseada em dados vai revolucionar a maneira como são feitas novas descobertas. O trabalho foi publicado no último dia 14, e o código está disponível para permitir que pesquisadores interessados contribuam com a difusão e evolução desse conceito.

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